31/03/2016

Te vejo em uma outra vida

         Lá me encontrava olhando fixamente para aqueles corpos que agora não tinham mais vida, ainda incrédula com o ocorrido era consolada pela única pessoa que se dispôs a ir neste velório, meu melhor amigo, Matheus. Meus pais agora estavam mortos e eu não sabia o que iria acontecer com a minha vida dali em diante, iria ter que viver somente com meus irmãos e só um deles trabalhava, porém ele pouco se importava comigo, iria acabar passando fome.
         Não havia muitas pessoas no velório, somente alguns amigos e colegas de trabalho, ninguém da família, pois mudamos de estado assim que minha mãe soube que estava grávida de mim e do meu irmão gêmeo, Paulo. Nossos avós disseram que não iriam aceitar que ela tivesse mais filhos e então nossos pais tiveram que se mudar de estado e viemos todos para Minas Gerais.
         Após sairmos daquele local viemos para casa e Matheus me acompanhou, ele estava consolando Paulo que também estava sem chão no momento. Meu amigo disse que iria passar alguns dias conosco e cumpriu sua promessa.
       Depois de três dias com Matheus em nossa casa, Paulo disse que estava se sentindo melhor, mas queria ficar sozinho em seu quarto e respeitei sua escolha. Tentei fazer várias coisas para tentar esquecer o acontecido, mas não conseguia, tudo naquela casa me fazia lembrar deles, eram tão amorosos comigo e meus irmãos. “Ah se eu achasse o desgraçado que estava dirigindo bêbado e bateu no carro dos meus pais, eu juro que.... na verdade, nada que eu fizesse iria adiantar, eles já estavam mortos.”- Eu pensava. Eu também não teria coragem de fazer nada com ninguém, só acho que ele devia pagar pelo que fez, se a polícia pelo menos o encontrasse eu me sentiria bem melhor.
Já haviam-se passado dez horas desde que entrou no quarto e comecei a me preocupar.
      -Paulo, tá tudo bem ai? – Perguntei, com um ar de desespero. Não houve nenhuma resposta. Milhares de coisas terríveis começaram a aparecer em minha cabeça nesse momento. Tentei abrir a porta, porém estava trancada.
       Saí correndo desesperada atrás do meu outro irmão, Guilherme, que estava em seu quarto.
      -Guilherme, o Paulo já está há dez horas em seu quarto, chamei ele, mas não houve resposta, estou com medo.
     Ele me olhou com um olhar de indiferença e disse que ele poderia estar apenas dormindo.
     -Já são onze da noite, com certeza ele está dormindo, hoje foi um dia bem cansativo. - Acrescentou.
     Isso me confortou um pouco, mas no fundo sabia que havia algo estranho, Paulo nunca dormia esse horário.
     Aguardei até a manhã seguinte para descobrir o que realmente havia acontecido. Já eram dez da manhã quando acordei e fui correndo desesperada para o quarto do meu irmão. Ainda estava trancada, quase comecei a chorar, mas fui para cozinha, onde estava Guilherme e pedi pra que ele arrombasse a porta e ele obedeceu. Quando a porta foi derrubada, vi o corpo do meu amado irmão morto com uma sacola plástica na cabeça. Não acredito que ele havia cometido suicídio. Naquele momento me veio uma ânsia de vômito e de repente não conseguia mais respirar, não sentia meus pés e acabei desmaiando.
       Quando acordei estava em um quarto de hospital e demorei um tempo para lembrar-me de tudo que havia acontecido e começar a chorar como uma criança, havia uma enfermeira no quarto e ela me disse que meu irmão contou tudo o que acontecera na noite passada e também a morte dos meus pais e que lamentava todo o acontecido. Ela me disse que dentro de algumas horas já poderia ir para casa, mas perguntou se antes eu gostaria de ver meu irmão pela última vez antes de seu enterro, concordei imediatamente.  A moça foi tão gentil comigo que comecei a desabafar com ela, me sentia tão sozinha naquele momento.
       Depois de mais ou menos quatro horas, meu irmão foi me buscar no hospital para me levar ao IML, eu estava extremamente apreensiva e com medo de passar mal novamente. Nada disso aconteceu, mas lá estava eu novamente olhando fixamente para um corpo sem vida em menos de uma semana. “Minha vida acabou” – pensava a todo o momento.
      Dois dias depois foi o seu enterro, aquela era a pior semana da minha vida. Muitos amigos meus também estavam lá. Não conseguia parar de chorar. Não conseguiam me consolar. Só conseguia pensar em suicídio. Depois de muito tempo consegui controlar meu choro, mas quando todos já haviam ido embora Guilherme me entregou a carta que Paulo deixara antes de se matar. Fiquei com medo de ler, sabia que aquilo iria me afetar de um jeito terrível. Com muito receio, comecei a ler.
    “Jéssica, me desculpe por isso, não poderia continuar vivendo sabendo que as pessoas mais importantes na minha vida se foram e que você está sofrendo demais com isso. Pode ter sido algo feito sem pensar, mas agora nada mais importa em minha vida. Só peço que você não faça o mesmo e continue sua caminhada na vida, você tem muito mais futuro do que eu teria. Obrigado por tudo e saiba que eu te amo muito mais do que você imagina e sei que isso é recíproco. Por favor, peço que não me odeie pelo que fiz, depois que nossos pais morreram eu não consegui ver mais sentido algum na vida. Peço perdão por tudo e te vejo em uma outra vida.”

     Já fazia alguns minutos que eu tinha parado de chorar e depois de ler tudo aquilo as lágrimas voltaram, porém meu irmão não fez esforço algum para me consolar. Não sabia como reagir a essa carta, não senti nenhuma raiva, pois sabia como ele se sentia, mas em momento algum ele pensou em como todos nós iríamos sofrer com sua perda, ou até pensou, mas resolveu ignorar, ou talvez não, eu já não sabia mais o que pensar. Eu só tinha 17 anos, não sabia lidar com nada que estava acontecendo. Queria sair desse mundo cruel de qualquer maneira, ninguém iria sentir minha falta mesmo...