Não havia
muitas pessoas no velório, somente alguns amigos e colegas de trabalho, ninguém
da família, pois mudamos de estado assim que minha mãe soube que estava grávida
de mim e do meu irmão gêmeo, Paulo. Nossos avós disseram que não iriam aceitar
que ela tivesse mais filhos e então nossos pais tiveram que se mudar de estado
e viemos todos para Minas Gerais.
Após
sairmos daquele local viemos para casa e Matheus me acompanhou, ele estava
consolando Paulo que também estava sem chão no momento. Meu amigo disse que
iria passar alguns dias conosco e cumpriu sua promessa.
Depois de
três dias com Matheus em nossa casa, Paulo disse que estava se sentindo melhor,
mas queria ficar sozinho em seu quarto e respeitei sua escolha. Tentei fazer
várias coisas para tentar esquecer o acontecido, mas não conseguia, tudo
naquela casa me fazia lembrar deles, eram tão amorosos comigo e meus irmãos. “Ah
se eu achasse o desgraçado que estava dirigindo bêbado e bateu no carro dos
meus pais, eu juro que.... na verdade, nada que eu fizesse iria adiantar, eles
já estavam mortos.”- Eu pensava. Eu também não teria coragem de fazer nada com
ninguém, só acho que ele devia pagar pelo que fez, se a polícia pelo menos o
encontrasse eu me sentiria bem melhor.
Já haviam-se passado dez horas desde que entrou no quarto
e comecei a me preocupar.
-Paulo, tá
tudo bem ai? – Perguntei, com um ar de desespero. Não houve nenhuma resposta.
Milhares de coisas terríveis começaram a aparecer em minha cabeça nesse
momento. Tentei abrir a porta, porém estava trancada.
Saí correndo
desesperada atrás do meu outro irmão, Guilherme, que estava em seu quarto.
-Guilherme, o
Paulo já está há dez horas em seu quarto, chamei ele, mas não houve resposta,
estou com medo.
Ele me olhou
com um olhar de indiferença e disse que ele poderia estar apenas dormindo.
-Já são onze
da noite, com certeza ele está dormindo, hoje foi um dia bem cansativo. -
Acrescentou.
Isso me
confortou um pouco, mas no fundo sabia que havia algo estranho, Paulo nunca
dormia esse horário.
Aguardei até a
manhã seguinte para descobrir o que realmente havia acontecido. Já eram dez da
manhã quando acordei e fui correndo desesperada para o quarto do meu irmão.
Ainda estava trancada, quase comecei a chorar, mas fui para cozinha, onde
estava Guilherme e pedi pra que ele arrombasse a porta e ele obedeceu. Quando a
porta foi derrubada, vi o corpo do meu amado irmão morto com uma sacola
plástica na cabeça. Não acredito que ele havia cometido suicídio. Naquele
momento me veio uma ânsia de vômito e de repente não conseguia mais respirar,
não sentia meus pés e acabei desmaiando.
Quando acordei estava em um quarto de hospital
e demorei um tempo para lembrar-me de tudo que havia acontecido e começar a
chorar como uma criança, havia uma enfermeira no quarto e ela me disse que meu
irmão contou tudo o que acontecera na noite passada e também a morte dos meus
pais e que lamentava todo o acontecido. Ela me disse que dentro de algumas
horas já poderia ir para casa, mas perguntou se antes eu gostaria de ver meu
irmão pela última vez antes de seu enterro, concordei imediatamente. A moça foi tão gentil comigo que comecei a
desabafar com ela, me sentia tão sozinha naquele momento.
Depois de
mais ou menos quatro horas, meu irmão foi me buscar no hospital para me levar
ao IML, eu estava extremamente apreensiva e com medo de passar mal novamente.
Nada disso aconteceu, mas lá estava eu novamente olhando fixamente para um
corpo sem vida em menos de uma semana. “Minha vida acabou” – pensava a todo o
momento.
Dois dias
depois foi o seu enterro, aquela era a pior semana da minha vida. Muitos amigos
meus também estavam lá. Não conseguia parar de chorar. Não conseguiam me
consolar. Só conseguia pensar em suicídio. Depois de muito tempo consegui
controlar meu choro, mas quando todos já haviam ido embora Guilherme me
entregou a carta que Paulo deixara antes de se matar. Fiquei com medo de ler,
sabia que aquilo iria me afetar de um jeito terrível. Com muito receio, comecei
a ler.
“Jéssica, me
desculpe por isso, não poderia continuar vivendo sabendo que as pessoas mais
importantes na minha vida se foram e que você está sofrendo demais com isso.
Pode ter sido algo feito sem pensar, mas agora nada mais importa em minha vida.
Só peço que você não faça o mesmo e continue sua caminhada na vida, você tem
muito mais futuro do que eu teria. Obrigado por tudo e saiba que eu te amo muito
mais do que você imagina e sei que isso é recíproco. Por favor, peço que não me
odeie pelo que fiz, depois que nossos pais morreram eu não consegui ver mais
sentido algum na vida. Peço perdão por tudo e te vejo em uma outra vida.”
Já fazia
alguns minutos que eu tinha parado de chorar e depois de ler tudo aquilo as
lágrimas voltaram, porém meu irmão não fez esforço algum para me consolar. Não
sabia como reagir a essa carta, não senti nenhuma raiva, pois sabia como ele se
sentia, mas em momento algum ele pensou em como todos nós iríamos sofrer com
sua perda, ou até pensou, mas resolveu ignorar, ou talvez não, eu já não sabia
mais o que pensar. Eu só tinha 17 anos, não sabia lidar com nada que estava
acontecendo. Queria sair desse mundo cruel de qualquer maneira, ninguém iria
sentir minha falta mesmo...